quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Preço de livro não é desculpa para um país que não lê


Como assim?! Ok, sei que esse – o título deste texto – é o grande motivo usado por muitos para justificar a não-compra e, também, a não-leitura, seja de literatura ou não, no Brasil. Sei, por isso, que corro o risco de ser linchado por essa afirmação. Os motivos de existência deste texto surgiram a partir de uma entrevista d’O BULE, feita com a escritora Ana Paula Maia. Perguntei-lhe o seguinte: Acha que é possível dissuadir um indivíduo de comprar um celular de R$ 1.000,00 e instigá-lo a comprar 15 livros e um celular de apenas R$ 500,00? A partir dessa provocação, eis abaixo os meus argumentos, com os quais pode o leitor concordar ou não.

Se analisarmos o preço bruto do livro (embutidos aí os impostos), sem quaisquer aprofundamentos, com certeza que este objeto no Brasil é caro. Afinal, num país em que grande parte da população ganha menos do que R$ 1.000 (por família), pagar R$ 30, R$ 40 por um livro não é pra qualquer um. Esse valor é o que muitas famílias brasileiras gastam mensalmente com verduras, legumes e frutas. Quem negará que esses alimentos são mais importantes do que um livro? No entanto, diariamente somos compelidos a fazer escolhas, e é aí que o preço do livro não pode ser considerado uma desculpa para quem – para um país – que sempre desprezou (despreza) a leitura e a literatura. Basta afirmarmos que sempre escolhemos por não comprar livros. Sempre escolhemos por não comprar conhecimento. Mentira?

Conheço (todos conhecemos) indivíduos que ganham R$ 800 mensais e compram celulares de R$ 1.000. Pagamos R$ 40 para assistir uma partida de futebol, mas não pagamos o mesmo valor por um livro. Tanto o futebol quanto o livro possuem a sua importância e proporcionam prazeres, embora diferentes. Muitos pagam R$ 100 por sexo, mas não têm coragem de pagar menos da metade disso pelo prazer proporcionado por um bom livro. Em época de Copa, dividimos – em 12 parcelas – uma televisão de 42 polegadas de mais de R$ 2.000, mas não compramos livros. Compramos roupas caras; não compramos livros baratos vendidos em sebos. Pagamos TV a cabo com seus canais – a maioria – inúteis. Não compramos livros. Juntamos em armários, gavetas e guarda-roupas quinquilharias compradas mas nunca usadas. Mulheres pagam caro por plumagens, balaiagens, reflexos, hidratações, manicure, pedicure, escova progressiva, cauterização etc. Na noite, gastamos de R$ 50 a R$ 100 com boates e bebidas. Bêbados, não compramos livros. Comemos, felizes, sanduíches ruins do McDonald's, e pagamos por eles. Há famílias que tomam uma coca-cola de 2 litros por dia; com isso gastam aproximadamente R$ 120 por mês. Muitos pagam R$ 25 por um cd do Zezé di Camargo e Luciano. Alguns, os que preferem outros tipos de drogas, gastam dinheiro com maconha, crack, cocaína etc. Drogados, não compramos livros.
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Sob esse prisma, eis que surge a dúvida: afinal, não compramos livros porque são caros ou porque optamos por gastar nosso precioso dinheirinho com coisas mais úteis?

Aqui, não nos cabe julgar o valor de cada produto (sim, tudo o que foi citado não deixa de ser um produto) para cada pessoa. Para muitos, um sanduíche do McDonald’s é mais importante do que um livro. Para outros, ouvir ou ir a um show de Zezé di Camargo etc. é muito mais prazeroso do que ler Memórias póstumas de Brás Cubas. Independente da utilidade relativa e do prazer (sim, pedante leitor, literatura é, antes de tudo, prazer) proporcionado por cada item (garota(o) de programa, coca-cola, celular, luzes no cabelo, cerveja, Zezé etc.), sempre reclamamos que não compramos (não se compra) nem lemos (não se lê) livros no Brasil por conta do preço. Uma grande mentira. Por que nunca, ou quase nunca, reclamamos do preço da coca-cola diária, da entrada da boate, das cervejas dos finais de semana, ou da manutenção da nossa vaidade? Se reclamamos, mesmo reclamando adquirimos todos eles. Por outro lado, reclamamos do preço do livro a fim de NÃO adquiri-lo. É uma estratégia mental. É uma estratégia cultural.

Até agora estamos discutindo sobre valor, preço e compra do livro em detrimento do valor (que damos), preço e compra de outros utensílios. Ou seja, a discussão é mais sobre adquirir pra si o livro do que propriamente sobre sua leitura. Poderíamos confrontar a desculpa da não-leitura com a desculpa do preço alto do livro. O discurso, a desculpa se sustentaria? Mas essa é uma questão para outro texto. Para outras malaguetas.


Texto do escritor uberlandense Rogers Silva, que recentemente lançou "Manicômio", livro de contos e outras narrativas curtas. Para ler um pouco dessa obra, clique AQUI. Sobre a biografia do autor, deda aqui.

Visite o seu site e conheça mais desse talento de nossa cidade.






Um comentário:

Max Andrade (PAAF) disse...

Concordo com o autor. Fico triste por essa ser a realidade em nosso país, mas ao mesmo tempo fico feliz de não fazer parte dessa parcela da sociedade.

Quantas vezes já fui esculachado por gastar mais de 20 reais com algum quadrinho de luxo eu nem sei. Gasto bastante mensalmente com HQs em geral, e hoje a coleção de casa tem mais de 3.000 volumes.
Claro, as vezes (raramente) compro livros, e a maioria deles é sobre quadrinhos também, mas aí já é questão de preferencia, e essa é minha leitura favorita.