terça-feira, 26 de março de 2013

Na contramão


      Caso vivêssemos na Idade Média, a declaração que estou prestes a fazer poderia render uma condenação a morrer queimado na fogueira. Cinco séculos mais tarde, é provável que teria conseguido escapar das acusações de bruxaria, mas não da inclemente palmatória, ou de ter o braço amarrado por trás das costas na escola e durante as refeições. Tendo em vista estes tempos árduos de intolerância e exclusão, nós, canhotos, não temos muito do que nos queixar da vida neste século XXI; a não ser pela ainda onipresente sensação de habitar um mundo que não foi pensado para nós.
     A dimensão do que representa ser canhoto numa sociedade onde todas as coisas foram criadas para quem utiliza preferencialmente a mão direita pode ser contemplada a partir da observação dos significados de expressões como “canhestro” e “sinistro” (do latim, que  provém do lado esquerdo). Também pudera, somos apenas 10% da população mundial, uma retumbante minoria de quase 600 milhões de pessoas, privadas de sentar em carteiras adequadas, abrir portas, garrafas e latas da maneira que seria mais natural, sem esquecer, é claro, da conveniência de se escrever com uma caneta esferográfica sem borrar o papel com a própria mão.
     
Gênio canhoto
Aos olhos de quem não está acostumado a enxergar desafios em tarefas triviais, pode parecer um detalhe, mas, pesquisando sobre o tema, descobri – pasmem – que a cada ano cerca de 2.500 canhotos morrem em consequência da utilização de objetos desenvolvidos para destros! Realmente é um pouco difícil imaginar que alguém tenha perdido a vida num acidente envolvendo um abridor de latas, em todo caso, deve ter sido por conta da tenebrosa estatística que nos concederam um dia internacional, 13 de agosto. Isso mesmo, número 13, no mês do desgosto, parece até piada. Uma data “sinistra”, com certeza.
       Agora me digam, que canhoto sabe disso? Aliás, quem foi que escolheu essa data?? Tá tudo errado! Pessoal, não adianta mais ficarmos aí, pelos cantos, reclamando da maçaneta, do braço do violão, do mouse de fio curto no computador da lan house. Se nós queremos ser considerados no planejamento de uma sociedade mais inclusiva para os canhotos, precisamos fazer ouvir o som de nossas vozes, fazer sentir o peso de nossas mãos esquerdas. Vamos ganhar as ruas e protestar, trafegar com os carros em mão inglesa, espalhar cartazes contendo palavras de ordem escritas a partir da direita, queimar em praça pública símbolos da opressão, tais como abridores de lata, tesouras e saca-rolhas. Vamos lembrar ao mundo que 40% dos melhores tenistas são gente nossa, assim como eram todos os 8 finalistas de esgrima nas Olimpíadas de 1980 em Moscou, ainda que não saibamos exatamente o porquê. Vamos festejar a genialidade de Baudelaire, Beethoven, Charles Chaplin, Maradona, Jimi Hendrix, Leonardo da Vinci, Picasso e, por que não, de Jack Estripador.
       Se a ciência comprovou que nosso cérebros não são como o dos destros, vamos mostrá-los que podemos ser mais criativos e sarcásticos, mais eficientes em matemática e em percepção tridimensional, e que sabemos lidar melhor com informações simultâneas. Finalmente é chegada a hora de extinguir por completo séculos e séculos de segregação e preconceito, e de atestar que nascer canhoto não é herdar uma condição desfavorável, mas sim exercitar a diferença. Vamos provar que, apesar de não sermos maioria, nós também sabemos fazer direito. Quer dizer, esquerdo, porra!

Texto de Bruno Medina, publicado no blog Instante Posterior. http://g1.globo.com/platb/instanteposterior/
O autor é tecladista da banda Los Hermanos.